Duas Margens

BEM VINDO ÀS DUAS MARGENS

Espero que possamos partilhar a vontade de construir pontes e passagens, certos de que todas a pontes e passagens têm pelo menos 2 entradas e que todas as entradas são também saídas. Às vezes não importa tanto onde entramos e por onde saímos, mas o que no percurso fazemos juntos.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

CRÓNICA DA MINHA MORTE ANUNCIADA

Caro amigo José Niza
Exmo. Senhor Mandatário Distrital da Candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República

Registo o anúncio da minha morte política.

Primeiro, uma dúvida:
Quem assina a certidão de óbito? O meu amigo José Niza ou o Mandatário Distrital da Candidatura de Manuel Alegre? É que não me lembro de Manuel Alegre ter anunciado a sua candidatura. É excesso de zelo ou é mesmo a candidatura (que ainda não é…) a assinar a declaração e o anúncio da minha morte? Para mim faz toda a diferença: se é o meu amigo interpreto como um estado de alma e não me preocupo; se é a candidatura de Manuel Alegre fico preocupado, nunca sei quando na próxima esquina, ou no próximo telhado, não terei um sniper a afinar a mira para poder consumar e convocar o funeral anunciado. Todavia o meu amigo assina pelos dois, acumulando funções…
Segundo, o conteúdo das minhas declarações à Lusa:
Disse tudo o que lá está. Mas foi uma declaração pelo telefone e de improviso. Terei dito, ou penso que terei dito, que “depois do 25 de Abril”, Manuel Alegre não terá tido causas e se terá limitado ao assento parlamentar. O que o meu amigo, ou o Mandatário Distrital de Manuel Alegre, confirma no seu anúncio. De facto, para falar da causas de Manuel Alegre o meu amigo tem que fazer arqueologia política e recuar… 36 anos! Tem que recuar a “antes do 25 de Abril”. Sim, isso eu reconheço. Aliás disse que Manuel Alegre é uma “referência do passado”. Sim, é. Ponto final
Terceiro, o que é importante:
Para lá do resto (e podia falar e não falei das rasteiras que nos últimos quatro ou cinco anos o Senhor andou a fazer ao Governo, ao Primeiro Ministro e ao PS, e do que isso pode anunciar como comportamento futuro, se … ), é o futuro. E o meu voto para as Presidenciais é para alguém que possa figurar o futuro, encarnar a possibilidades de futuro, os valores e os caminhos de futuro. É disso que Portugal e cada um de nós precisa, não de derramar incenso sobre o passado.
Se o meu critério fosse o de pagar em votos pelos custos do passado e da luta contra a ditadura, então seria para sempre incondicional de Mário Soares ou de Álvaro Cunhal e do PCP. Com o devido respeito.
Quarto, para (não) concluir:
De resto, como diz o outro, qualquer anúncio antecipado da minha morte é obviamente verdadeiro.
Só espero que me faça o favor de informar antecipadamente o dia, a hora e o local do funeral. Para eu comparecer.
(Bolas, amigo Niza: a ditadura é que ameaçava e pagava com o apagamento e a morte. Simbólica e física. Mas isso era a ditadura, a PIDE e isso…).

in O Mirante on line 28.04.10

quinta-feira, 22 de abril de 2010

AS PRESIDENCIAIS E O PS

As próximas presidenciais são um pesadelo para o PS.
Não tendo tomado a iniciativa, não se tendo antecipado e feito as suas definições, não tendo liderado o processo, o PS deixou-se condicionar por outras iniciativas - e ficou condicionado. Alegre aproveitou o vazio e deu o passo, ocupou o terreno, delimitou e marcou o território, certo de que outros putativos candidatos na área do PS ficaram sem margem, sem território, não arriscariam. Certo, por isso, de que o PS acabaria por ter que o apoiar.
Nesta antecipação Alegre apostou no prémio todo, num jackpot: o pleno da esquerda. PS, PC e BLOCO cair-lhe-ia nas mãos, rendidos.
Este passo em frente, tinha riscos. Um era o de ficar sozinho no terreno.
Ficou com o Bloco. O PS calou-se, o PCP tem a sua estratégia, o Bloco veio a correr antecipar-se a todos. O PC vai ter o seu candidato. O Bloco tem militantes a juntar assinaturas para convocar uma reunia para discutir a questão. O PS continua a calar-se…
Há apostas assim. Como o homem que apostou tudo no vermelho e a quem saiu o negro.
Ainda: Fernando Nobre anunciou a sua candidatura. Não anunciou uma intenção, a apalpar o terreno. Anunciou uma candidatura. Com a simpatia e mesmo o entusiasmo de muita gente, no Bloco, no PC, no PS, no centro-direita, dentro e fora dos partidos. O território marcado contraiu-se. No Bloco relançou-se a discussão que Louçã não queria. No PC não fará, talvez, grande mossa. No PS deu alma a muitos, que recusam Alegre. E deu a Sócrates o tempo de que precisava para não se render de imediato, a Alegre. Cairá, talvez. Mas não sem antes mostrar, à evidência, o incómodo, a resistência, o desconforto, o desapoio. Aqui a distinção wittgensteiniana entre dizer e mostrar ganha toda a pertinência política. Sócrates será talvez obrigado a dizer o apoio a Alegre, mas não sem antes mostrar à saciedade que não quer, que não apoia,…
O PS tem três hipóteses de decisão. Todas más. Apoiar Alegre: metade do PS não gostará. Apoiar Nobre: metade do PS não gostará. Lavar as mãos, como Pilatos, deixando liberdade de voto…: politicamente fraco, deixando ressentimentos em todo o lado. Fechado neste trilema, sem uma boa saída, Sócrates está a fazer talvez a única coisa que pode: jogando com o que diz e com o que mostra, dizer que apoia Alegra mostrando que não apoia Alegre… nem dado.
Eu gostaria que o PS apoiasse Nobre.
Compreendo a dificuldade. Mas compreendo o que não podendo dizer, mostra.
QUASE SEMPRE, O QUE SE MOSTRA É O MAIS IMPORTANTE.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

GATOS DE CAÇA

1.
Com Manuela Ferreira Leite o PSD empenhou-se inteiramente numa estratégia: a queixa, a denúncia, o ataque, a exploração de casos judiciais, o sublinhar de “casos” da comunicação social, o carácter do Primeiro-Ministro, a espionagem do Governo ao Presidente, a asfixia democrática, enfim... Manuela Ferreira Leite, como costuma dizer-se, partiu os dentes na torneira.
Passos Coelho virou a página. Anunciou que com ele a orientação do PSD seria fazer oposição política, criticando as políticas do governo, procurando e propondo as suas alternativas políticas, construindo uma alternativa política global de governo ao PS. Veremos.
2
A oposição na Câmara de Abrantes , conta-me quem sabe, adoptou atitude parecida com a do PSD de Manuela Ferreira Leite. Talvez por dos três vereadores que representam a oposição dois serem juristas e/ou advogados, devem achar (o “achismo” é a grande moda da epistemologia nacional) que a Câmara é uma sala de audiências e vá de fazer oposição jurídica. E queixas. Ao que me dizem, ao Ministério Público, à Alta Autoridade para a Comunicação Social (bem, agora é a ERC...), e o que mais veremos… Pelos vistos o Provedor Municipal, o Boletim Municipal, os Concursos para admissão de pessoal, e outras coisas que não sei, suscitam queixas…
Em Abrantes, na Câmara, a oposição apresenta queixas…
Oposição jurídica, oposição administrativa… o Salão Nobre como Sala de Audiências…
Podem fazê-lo? Claro que podem, vivemos uma democracia e é a sua maneira de ver as coisas. Saberão fazê-lo? São juristas, presumimos-lhes a competência.
Só um reparo. O povo paga-lhes (em votos, claro) para serem e fazerem oposição política. Para fazerem crítica política. Para proporem alternativas políticas. Para enriquecerem o debate político. Para construírem alternativas políticas de governação municipal.
Como sabemos, quem não tem cão caça com gato…
3.
É só para dizer que Passos Coelho esteve bem, acho eu… e seguramente muitos portugueses. Era triste e deprimente ver o principal partido da oposição afundar-se numa estratégia ao sabor das coisas e da espuma do quotidiano, mas sem qualquer pensamento e sem qualquer dimensão política.

in A Barca, 22 Abril 2010

domingo, 11 de abril de 2010

PEDRO PASSOS COELHO

Ouvi o discurso final de Passos Coelho.
Bom tom: pedagógico, coloquial, próximo, calmo e quente... quase espontâneo.
Boa identificação de valores: articular crescimento económico com desenvolvimento social. Transparência e diálogo, saber ouvir... Reformismo, apresentar propostas...
Não gostei: principal prioridade - revisão constitucional. Não é perceptível a urgência e a prioridade. Parece procurar bengala para os próximos meses.
Não gostei: Principal problema - Estado na economia; solução mágica - retirar o Estado. Primeiro: pensamento ingénuo - retiramos o Estado e tudo funciona.. Segundo: qual é o lugar do Estado na economia em todos os países emergentes: China, Ìndia, Brazil, Coreia, Turquia ou Rússia? O Estado está de fora?
Mas mostrou que se pode olhar para o PSD.
Muita gente vai olhar...

sábado, 10 de abril de 2010

PEC II...

Carcavelos, 10 abr (Lusa) - O deputado e vice-presidente da bancada do PSD Miguel Frasquilho defendeu hoje que poderá ser necessária uma redução dos salários e pensões em Portugal como forma de reduzir o défice e relançar a economia.

No seu discurso perante o XXXIII Congresso do PSD, que decorre até domingo em Carcavelos, Frasquilho sublinhou que a tentativa do PS de reformar a Administração Pública em Portugal "tem sido um fracasso".

"Será preciso combater a despesa em todas as áreas, a área dos salários e pensões poderá não escapar à descida", afirmou.

VOU COM NOBRE

Hoje, de manhã, via Facebook, comuniquei a minha decisão de participar na campanha para as presidenciais com Fernando Nobre. Dia 23 de Abril, am Santarém, das 21 às 23h, paticiparei no 1º Encontro Distrital da candidatura.
Cavaco já mostrou: desorientação, instabilidade e confronto institucional. Passado.
Alegre define cidadania como assunto literário, retórico, conversa "culta" de salão. Cantos do passado.
Nobre é a frescura e o novo. Um novo imaginário: cidadania militante e empenhada, socialmente activa e útil, assunto e prática social "todo o terreno". Além disso um homem global, um homem do mundo...

domingo, 4 de abril de 2010

ININPUTÁVEIS?

Bolas...! Pessoas com o ego e as vidas feitas num oito e eles falam em "mexericos" do tempo, anti-semitismo, pecado, perdão...
Os membros da Igreja respondem perante Deus? Está bem, é lá com eles...
Mas não respondem perante "César"? Estão acima? Sao ininputáveis?

sábado, 3 de abril de 2010

OBJECTIVOS DO MILÉNIO: E A POBREZA ENERGÉTICA?

Durante seis anos pertenci e participei nos trabalhos dos órgãos dirigentes da UCLG (United Cities and Local Governments), o Conselho Mundial e o Conselho Executivo. Os Objectivos do Milénio foram sempre um dos temas que mais preocupações e debates mereceram. Definidos pela ONU, os oito objectivos assumidos visavam (visam) a redução de pobreza extrema no mundo para metade até 2015. O acesso a bens e serviços básicos (água, saneamento, saúde, educação, …) estão no cerne destes objectivos.
Nunca ouvi qualquer alusão ou debate sobre a necessidade da promoção do acesso à electricidade, a uma rede estável de fornecimento de energia eléctrica. A água, as florestas, a sida ou a malária, a educação, sim, motivavam muitas intervenções. Como imaginamos, sobretudo das delegações africanas, também das latino-americanas.
Todavia, o Banco Mundial estima que 1.6 mil milhões (1 em 4) não têm acesso regular a uma rede eléctrica.
Na África sub-saariana (à excepção da África do Sul) 75% dos lares (550 milhões de pessoas) permanecem excluídas da electricidade.
No sul da Ásia (Índia, Paquistão, Bangladesh,…) 700 milhões e cerca de 90% da população rural estão de fora…
A Agência Internacional de Energia prevê que 1.4 mil milhões de pessoas não terão acesso em 2030.
Na realidade, uma das imagens mais divulgada e impressionante da pobreza africana é a das mulheres e crianças percorrendo quilómetros e quilómetros à procura da água ou da lenha necessárias para viver mas um dia…
Como pode haver acesso a água limpa, a saneamento, a alimentação regular, a saúde, a educação, …, sem electricidade? Quando temos uma avaria, um apagão, ficamos desorientados e, ao fim de meia hora, entramos em stress e pré falência… Como pode um sistema de captação, tratamento e distribuição de água funcionar sem electricidade? Como pode um centro de saúde funcionar sem electricidade? Como pode uma criança aprender sem electricidade? O que é que funciona hoje sem electricidade?
Sintetiza Friedman que “todos os problemas do mundo em desenvolvimento são também problemas de falta de energia”. E, citando Robert Freling conclui que a “pobreza energética” infiltra-se em todos os aspectos da existência e desfaz qualquer esperança de se saía da pobreza (económica) no séc XXI.
Também os Objectivos do Milénio vão ficar por cumprir…

(resumi apenas Thomas L Friedman, “Quente, Plano e Cheio”, Actual Editora, ponto 7, Pobreza Energética)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

IMAGINÁRIOS

Hoje é 6ª feira de Pascoa. Acabei de receber um coelhinho virtual com votos de Páscoa Feliz. Este simpático animalzinho conduziu-me a uma reflexão sobre a Páscoa e o Natal, os símbolos e os imaginários que nos dominam e as transformações do tipo: “Quando eu era pequeno…”.
Pois: quando eu era pequeno não havia coelhos, embora, por exemplo, Páscoa já significasse amêndoas. Também no Natal tudo girava à volta do presépio, do menino Jesus, e o Pai Natal e as suas renas ainda estavam a chegar em força.
Ouvimos, recorrentemente, os lamentos típicos das nossas nostalgias de como tudo mudou, antes é que era bom, agora é só consumismo …
Durante séculos a nossa sociedade foi dominada pela religião, na Europa o Catolicismo, e os Estados eram confessionais: católicos.
A partir do séc. XVII iniciou-se um movimento, poderoso, de separação dos domínios da razão e da fé, do conhecimento e da crença, da sociedade civil e das comunidades crentes, do Estado e da Igreja, da Lei e dos Mandamentos. Emergiu o Estado Moderno, laico. Este processo de laicização da sociedade e do Estado foi uma construção central da modernidade e uma das grandes conquistas da humanidade… Toda? Não, basta olhar para os Estados confessionais islâmicos e o programa político do fundamentalismo islâmico para perceber que não…
E o que é que isto tem a ver com o coelho? Ou a Pai Natal?
Antes havia um plano regulador das nossas vidas e valores constituído por figuras, símbolos e significados religiosos (o menino Jesus, Nossa Senhora, ou a morte e ressurreição de Cristo …) que tiveram de converter-se em equivalentes laicos. Operou-se uma espécie de rebatimento dessas figuras construídas no plano da religião para novas figuras construídas num plano laico, assimiladas e assimiláveis por uma sociedade laica, por costumes laicos. Esta laicização só pode operar-se por este rebatimento equivalente a uma dessacralização do nosso imaginário: Onde estava o nascimento do Menino Jesus, Nossa Senhora, etc, adoptámos a narrativa do Pai Natal, a árvore de Natal, as renas… onde estava a morte e ressurreição de Cristo colocámos o coelho e os ovos de Páscoa e as amêndoas, mesmo que sem narrativa.
Só não percebo porque adoptámos figuras importadas das terras geladas e brancas da Escandinávia, do Pai Natal ao coelho finlandeses…
Mas, enfim, vivemos numa sociedade laica, cultivamos figuras laicas… e ainda bem.
Confesso, todavia, que se gosto do simpático coelho e até dos ovos (porquê misturar ovos com coelhos?!) sempre acho que o menino Jesus, Nossa Senhora (a jovem mãe) e até o misterioso José mais simpáticos que os seus sucedâneos…

Aos mais nostálgicos e que preferiam regressar à “pureza” original, basta recordar a mesma ”pureza”, mas pintada de crescentes… a querer impôr nos o imaginário "justo".
Boa Páscoa! Comam um coelho e um ovo… mas devagar! Até faz bem ao colesterol!