Duas Margens

BEM VINDO ÀS DUAS MARGENS

Espero que possamos partilhar a vontade de construir pontes e passagens, certos de que todas a pontes e passagens têm pelo menos 2 entradas e que todas as entradas são também saídas. Às vezes não importa tanto onde entramos e por onde saímos, mas o que no percurso fazemos juntos.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

IMAGINÁRIOS

Hoje é 6ª feira de Pascoa. Acabei de receber um coelhinho virtual com votos de Páscoa Feliz. Este simpático animalzinho conduziu-me a uma reflexão sobre a Páscoa e o Natal, os símbolos e os imaginários que nos dominam e as transformações do tipo: “Quando eu era pequeno…”.
Pois: quando eu era pequeno não havia coelhos, embora, por exemplo, Páscoa já significasse amêndoas. Também no Natal tudo girava à volta do presépio, do menino Jesus, e o Pai Natal e as suas renas ainda estavam a chegar em força.
Ouvimos, recorrentemente, os lamentos típicos das nossas nostalgias de como tudo mudou, antes é que era bom, agora é só consumismo …
Durante séculos a nossa sociedade foi dominada pela religião, na Europa o Catolicismo, e os Estados eram confessionais: católicos.
A partir do séc. XVII iniciou-se um movimento, poderoso, de separação dos domínios da razão e da fé, do conhecimento e da crença, da sociedade civil e das comunidades crentes, do Estado e da Igreja, da Lei e dos Mandamentos. Emergiu o Estado Moderno, laico. Este processo de laicização da sociedade e do Estado foi uma construção central da modernidade e uma das grandes conquistas da humanidade… Toda? Não, basta olhar para os Estados confessionais islâmicos e o programa político do fundamentalismo islâmico para perceber que não…
E o que é que isto tem a ver com o coelho? Ou a Pai Natal?
Antes havia um plano regulador das nossas vidas e valores constituído por figuras, símbolos e significados religiosos (o menino Jesus, Nossa Senhora, ou a morte e ressurreição de Cristo …) que tiveram de converter-se em equivalentes laicos. Operou-se uma espécie de rebatimento dessas figuras construídas no plano da religião para novas figuras construídas num plano laico, assimiladas e assimiláveis por uma sociedade laica, por costumes laicos. Esta laicização só pode operar-se por este rebatimento equivalente a uma dessacralização do nosso imaginário: Onde estava o nascimento do Menino Jesus, Nossa Senhora, etc, adoptámos a narrativa do Pai Natal, a árvore de Natal, as renas… onde estava a morte e ressurreição de Cristo colocámos o coelho e os ovos de Páscoa e as amêndoas, mesmo que sem narrativa.
Só não percebo porque adoptámos figuras importadas das terras geladas e brancas da Escandinávia, do Pai Natal ao coelho finlandeses…
Mas, enfim, vivemos numa sociedade laica, cultivamos figuras laicas… e ainda bem.
Confesso, todavia, que se gosto do simpático coelho e até dos ovos (porquê misturar ovos com coelhos?!) sempre acho que o menino Jesus, Nossa Senhora (a jovem mãe) e até o misterioso José mais simpáticos que os seus sucedâneos…

Aos mais nostálgicos e que preferiam regressar à “pureza” original, basta recordar a mesma ”pureza”, mas pintada de crescentes… a querer impôr nos o imaginário "justo".
Boa Páscoa! Comam um coelho e um ovo… mas devagar! Até faz bem ao colesterol!

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