Este primeiro ano do Governo é marcado por dois erros estratégicos centrais: 1) Incapacidade de perceber e caracterizar a crise e 2) adopção de uma estratégia de confrontação com a oposição, particularmente em sede parlamentar, em vez de uma estratégia de amortecimento da conflitualidade política.
1. O Governo terá achado que esta era uma crise conjuntural, essencialmente uma crise do sub-prime americano e que se confinaria ao sector financeiro. Tipo “incha, desincha e passa”.
Não compreendendo a natureza da crise, o Governo cultivou um tom optimista e triunfalista de negação, e sucessivamente de denegação de si próprio, da suas projecções, previsões e políticas. Andou sempre, como se diz no futebol, “a correr atrás do prejuízo”. Foi portanto incapaz de definir e comandar uma agenda política realista e credível, capaz de suscitar a compreensão e a adesão dos cidadãos.
2. Como resultado das eleições, o Governo iria governar, em situação de crise, com um governo de maioria relativa no Parlamento. Logo, um governo minoritário no Parlamento. A opção do Governo foi aceitar o cavar de trincheiras e o abrir de hostilidades, acentuando a conflitualidade que se vivia no parlamento também por força da intensidade da oposição do BE e do PCP, bem como da radicalização do PSD de Ferreira Leite.
Reagindo simetricamente ao comportamento da oposição, o Governo assumiu que “já se discutiu o que havia para discutir nas eleições”, e que “há um programa de Governo legitimado no Parlamento”, logo a governação seria a realização desse programa.
Ao adoptar esta estratégia o Governo i) assumiu o confronto político como método de acção política, ii) tornou o Programa de Governo um absoluto da governação, iii) eliminou qualquer margem e possibilidade de recuo que não fosse exactamente um recuo e uma derrota política e iv) alienou a possibilidade de colocar na agenda política uma exigência de negociação e concertação políticas como caminho para enfrentar e definir caminhos para sair da crise e nele comprometer a oposição, mesmo que fosse com recusas claras perante o País.
Aquilo a que assistimos foi exactamente i) um acréscimo de conflitualidade política em cima da crise, ii) o abandono sucessivo do Programa do Governo (investimento público, impostos, SCUT, …) iii) recuos e derrotas sucessivas do governo e iv) serem os outros (PR, Igreja, o próprio líder do PSD) a reclamar a negociação e a concertação políticas, para um Pacto de Estado, um Pacto Social ou outra designação qualquer.
Ora esta crise revelou ser não apenas uma crise financeira. Afirmou-se como crise económica, social, civilizacional, de sustentabilidade, com impactos e efeitos profundos e duráveis.
A estratégia do Governo, assente na incompreensão da crise e do valor da negociação e concertação políticas como instrumentos políticos ajustados e necessários, não só para definir caminhos para o país, mas também para facilitar a compreensão e a adesão dos cidadãos às escolhas e políticas públicas, revelou-se não só desajustada e errada, como constituindo mesmo uma das variáveis do problema.
Um ano mais tarde, o PS e o seu Governo devem fazer uma avaliação séria e sistemática. Não tanto para culpabilizar, mas sobretudo para introduzir as reorientações e rectificações necessárias. Para a governação, para o País. Mas também para que o PS se reposicione para poder ganhar um jogo que parece estar a perder. É que, quando um jogo está perdido, é preciso fazer o que é necessário para o ganhar. E a primeira coisa é querer ganhá-lo.
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