Duas Margens

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Espero que possamos partilhar a vontade de construir pontes e passagens, certos de que todas a pontes e passagens têm pelo menos 2 entradas e que todas as entradas são também saídas. Às vezes não importa tanto onde entramos e por onde saímos, mas o que no percurso fazemos juntos.

domingo, 17 de outubro de 2010

“DÍVIDA PÚBLICA E REGULAÇÃO CONSTITUCIONAL”

A partir do final do séc. XIX, na Europa, o soberano passa a ser o povo; nesta altura, todos os cidadãos se tornam responsáveis pela dívida soberana. O Estado deixa então de pedir emprestado apenas com o objectivo de partir para a guerra, passando a fazê-lo também para cumprir a sua missão fundamental: garantir a protecção dos cidadãos contra a violência. Esta missão consiste essencialmente na produção de serviços, de transportes, de comunicações, de polícia, de saúde, de educação e no pagamento das reformas. Deste modo, os gastos dos poderes públicos aumentam mais depressa dos que as receitas, e, para conseguir financiá-los, o Estado tem de aumentar a pressão fiscal; ou então, nos casos em que o soberano decide não sobrecarregar os contribuintes, tem de pedir emprestado , na expectativa d que o crescimento da economia, e portanto o crescimento das contribuições, lhe permita reembolsar os credores”
Jacques Attali,
Estaremos Todos Falidos Dentro de Dez Anos?, Dívida Pública: última oportunidade
Aletheia Editores


As questões do défice e da dívida pública, e dos correlativos constrangimentos ao crescimento económico, são hoje questões centrais nas preocupações e na vida quotidiana de todos nós, no mundo ocidental, na Europa e em Portugal.
Constituem-se também, obrigatoriamente, como objecto de análise, reflexão, e tradução em propostas programáticas sob a forma de políticas públicas.

Questões como a do estabelecimento de limites para o défice e para a divida pública têm se travado por todo o lado. A procura de critérios rigorosos para essa definição de limites continua em aberto.

Em particular no que se refere à dívida pública o Tratado de Maastricht fixou em 60% de PIB o valor “adequado” para esse limite. Considera-se também, genericamente, que a relação entre os serviço da dívida e as receitas orçamentais daria um “bom” limite: o valor do serviço da dívida não deveria ultrapassar 50% do valor das receitas orçamentais…

Todavia não se encontram critérios técnicos bem com fundamentos “científicos” nem com o consenso generalizado.
Sabe-se, também, que esses limites não se constituem como limites absolutos: o mesmo limite pode ter e tem significados diferentes para países diferentes e circunstâncias diferentes, variando nomeadamente com a capacidade de um país em ter instalado um dispositivo económico capaz de um forte crescimento que assegure um forte crescimento das receitas fiscais ou … não ter (e esta á a diferença substancial entre os EUA e a Europa, por exemplo …).



Por isso também parece vantajosa a definição e concertação de tais limites em contextos territoriais e temporais maia alargados e conjunturalmente mais flexíveis, nomeadamente a Zona Euro ou a eu.

Todavia, se se pode entender que quanto aos limites para a dívida pública estes não se podem constituir como absolutos susceptíveis, por exemplo, de regulação constitucional, já o mesmo não se aplica à questão da regulação, pela mesma via, da natureza da dívida admissível.

De facto, quando discutimos a “bondade” e a “maldade” da dívida pública há algumas considerações que se tornam evidentes e aplicáveis “a priori”, independentemente da conjuntura, das circunstâncias e dos países.

É “boa” (pode ser “boa”) a dívida contraída para financiar investimentos rentáveis, infra-estruturas e equipamentos públicos em áreas com impacto no crescimento e competitividade da economia ou na qualidade de vida das populações (transportes, saúde, educação, …) ou investimentos na qualificação das pessoas e das instituições, no nível da investigação e da produção-circulação-apropriação social do conhecimento, promoção da segurança, …

É “má” a dívida pública que o Estado possa fazer para financiaras suas próprias despesas de funcionamento, as despesas correntes da administração.

De facto, se ainda se pode discutir se a dívida contraída para financiar um dado investimento é realmente “boa” (auto-estradas, TGV, Aeroporto, por exemplo …), a dívida para financiar despesas correntes do Estado é inequivocamente má.

Na estrutura das despesas e receitas correntes a regra deve ser que as despesas correntes devem ser pagas com as receitas correntes. Ou, dito de outro modo: o orçamento corrente não deve ser deficitário.

Aceitar que possam ser pagas com o recurso à dívida (ou com o recurso sistemático à alienação de bens de capital) é abrir caminho para a escalada de crescimento imparável da dívida e insustentabilidade.

É portanto necessária a coragem de introduzir no ordenamento estrutural do país, o que quer dizer pela via constitucional, o impedimento do financiamento das despesas correntes pela via do recurso à contratação de empréstimos e a imposição do equilíbrio do orçamento das correntes (receita e despesa).

Assim:

Estando aberto um processo de revisão constitucional;
Estando a questão da dívida pública no centro das preocupações e do debate político;
Sendo o controle da escalada da dívida uma questão central do país;
Sendo a adopção de regras estruturantes para o futuro equilíbrio orçamental e financeiro do país uma das questões programáticas mais emergentes e urgentes.

Recomenda-se:

Que o Partido Socialista inclua na sua proposta de Revisão Constitucional uma norma que impeça o recurso ao endividamento do Estado para financiar despesas do seu funcionamento corrente e estabeleça a obrigatoriedade do equilíbrio do orçamento corrente do Estado.

(Obviamente excluem-se empréstimos de curto prazo, uma vês que estes, sendo contraídos e pagos no mesmo ano, se constituem como meras operações de gestão de tesouraria).

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