Duas Margens

BEM VINDO ÀS DUAS MARGENS

Espero que possamos partilhar a vontade de construir pontes e passagens, certos de que todas a pontes e passagens têm pelo menos 2 entradas e que todas as entradas são também saídas. Às vezes não importa tanto onde entramos e por onde saímos, mas o que no percurso fazemos juntos.

domingo, 20 de dezembro de 2009

DOUTORES E ENGENHEIROS

Poderemos admitir, sem necessidade de prova, que os advogados e juristas têm hegemonizado a vida política. Bem, Cavaco, Guterres e Sócrates não são advogados nem de formação jurídica, antes economista e engenheiros. Mas não quer dizer que a classe política não seja e tenha sido maioritariamente constituída por advogados, e a nossa sociedade não continue a ser inspirada num paradigma jurídico e não num paradigma técnico e científico.
Veja, por exemplo. Depois do 25 de Abril tivemos de reconstruir o Estado, reconfigurá-lo como Estado de Direito, construir as instituições da democracia, definir o novo edifício constitucional e jurídico da nossa vida democrática. Tivemos Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral Álvaro Cunhal como grandes figurantes – todos advogados/juristas, e uma plêiade de homens brilhantes como Almeida Santos, Mota Pinto, Vital Moreira e outros, todos advogados/juristas. Precisámos deles, tivemo-los. Fizeram o seu trabalho. No essencial, bem, digo eu.
Passaram mais de três décadas. As tarefas da nossa democracia e da nossa sociedade continuam a exigir, do mesmo modo, com a mesma intensidade e a mesma proporção, o primado da visão jurídica da sociedade, os seus mecanismos e o seu funcionamento? Ou esta hegemonia tradicional é hoje factor de bloqueio, é hoje um obstáculo epistemológico (incapacidade de conhecer o funcionamento da própria sociedade) e um obstáculo político (incapacidade de decidir o que a sociedade exige que se decida)?
Numa sociedade em que as grandes questões não são já as da legitimação e do ordenamento constitucional e jurídico (sendo que a competência jurídica continua como é óbvio, a ser da maior importância), mas o desenvolvimento económico na sociedade da informação e do conhecimento, o desenvolvimento do sistema científico-tecnológico, a inovação tecnológica e empresarial, faz sentido que sejam, grosso modo, os advogados e os juristas a comandar? Faz sentido que se continue a olhar a sociedade e o seu funcionamento a partir do paradigma, do pensamento, da competência jurídica? Não precisamos também aqui de promover uma mudança de paradigma?
Não precisamos, simplesmente, de promover a entrada mais generalizada de cientistas, técnicos e engenheiros na vida política? Não precisamos de conter a influência da visão jurídica na definição das políticas, programas, estratégias que constroem os caminhos que precisamos de seguir e aumentar a influência do paradigma e da visão da engenharia?
A propósito deixe-me citar John Doerr, investidor: “Fala-se com os líderes da China, que são basicamente todos engenheiros, e compreendem imediatamente o que se está a passar. Os norte americanos não, porque são todos advogados”. Ou Bill Gates: “ Quando nos encontramos com políticos chineses, são invariavelmente cientistas e engenheiros. É possível ter uma conversa sobre números com eles – nunca se debatem temas como ”diga-me uma pequena piada com a qual eu possa embaraçar os meus rivais políticos”. Estamos reunidos com uma burocracia inteligente””. É o Bill Gates, o tal.

(Pub in O Ribatejo, 18.12.09)

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