Duas Margens

BEM VINDO ÀS DUAS MARGENS

Espero que possamos partilhar a vontade de construir pontes e passagens, certos de que todas a pontes e passagens têm pelo menos 2 entradas e que todas as entradas são também saídas. Às vezes não importa tanto onde entramos e por onde saímos, mas o que no percurso fazemos juntos.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ARGUMENTAÇÃO vs ARTICULAÇÃO DO SENTIDO

A Alice Marques partilhou connosco uma reflexão de grande pertinência e recolocou a questão (Obrigado, Alice). Salvo melhor análise, parece-me poder, para já, dizer:
A lógica argumentativa dedutiva, tomando como pontos de partida o que podemos chamar os “bons princípios” (maioridade, liberdade individual, autonomia) é, sem dúvida, boa e mesmo necessária. E temos que a exercer, sem dúvida, sujeitando as coisas ao seu escrutínio.
Eu, pessoalmente, situei-me nessa perspectiva para considerar o casamento gay legítimo e legitimado, e sem ter que passar pelo crivo do referendo ou do pronunciamento popular, uma vez que se deduzia da lógica dos “bons princípios”.
Todavia se esta lógica nos conduz a propostas de configuração aceitáveis, pode também levar-nos a outras que nos “arrepiam” (Alice). E estou já a deixar de fora a adopção, limitando-me às situações envolvendo apenas sujeitos adultos e autónomos (bigamia, etc…).
O que pode isto querer dizer? Não, seguramente, que as coisas não sejam escrutináveis a partir de uma racionalidade lógica. Mas que tal escrutínio tem limites. E, seguramente, que há-de haver uma outra racionalidade para legitimação das nossas opções para lá da dedução dos “bons princípios”.
Pode ser que, achando coerente deduzir modos de vida como aceitáveis e legítimos a partir de valores como os referidos (liberdade etc), todavia os possamos considerar como não aceitáveis e não desejáveis a partir de uma outra ordem de razões? É isso que parece. Que outras ordem de razões, então? Que outra “ordem de boas razões” é essa?
Eu aceito o casamento gay com base nesses princípios.
Eu não aceito o casamento bígamo os polígamo que pode legitimar-se a partir dos mesmos princípios. Porquê?
“Arrepia-me” (Alice). Dá-me um sobressalto moral? Acho as consequências devastadoras para os fundamentos da nossa sociedade? Tenho medo? Não é numa sociedade assim que quero viver?
Bem, há uma lógica, sim. Mas há também o que entendemos ser “ nosso modo de vida”. Há também a vida, a sociedade, o mundo que queremos e em que queremos viver. Há situações que nos exigem não uma dedução, mas uma tomada de posição.
Quer dizer que as grandes questões não são do domínio da racionalidade lógica, dedutiva, proposicional, mas se decidem no domínio da moralidade, da capacidade de decisão, de decidir o que faz, ou não faz, sentido.
Trata-se, não só de avaliar lógicas e argumentos, mas de articular o sentido das coisa.
Ou, como tematizava Habermas, precisamos de distinguir uma racionalidade instrumental ou técnica de uma outra racionalidade que ele designa de "comunicativa".
E, se está em causa, não só a consideração da liberdade e o direito à auto determinação, mas também o nosso modo de vida, a sociedade, o sentido do mundo e da vida em que queremos viver, talvez faça sentido sujeitá-la ao diálogo, ao debate, à decisão social, a referendo, para as legitimar como práticas sociais…
Era bom analisar, a partir destas considerações, a questão do uso da burka em França, ou a dos minaretes na Suiça. Ou outras... Um dia talvez tenhamos que nos decidir sobre elas.
Terei que reler Habermas...

1 comentário:

  1. Boa tarde, Nelson Carvalho!
    De reflexão , em reflexão, até à reflexão final!...Ou antes a pedir continuação!
    Brilhante! Não há como refutar o acerto ,( ou concerto?) do pensamento expresso.
    Sugere outras, bem pertinentes.

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